Nas últimas semanas, o espaço do Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique - MUVART recebeu artistas, curadores, arquitectos, professores, amigos apaixonados pela arte contemporânea, para trocar ideias, experiências e, acima de tudo, debater a arte que se faz no mundo, a partir da produção artística do MUVART e do que se faz em Moçambique.
Estes encontros são muito importantes para estimular a reflexão sobre a arte ao nível da teorização e da produção. Permitem encontrar pares, aqui e em outras geografias culturais, adquirir o hábito de olhar para nós e aprender com o outro. É um exercício contínuo que o MUVART vem realizando desde a sua criação. Desde há algum tempo resolvemos ampliar o leque de intervenientes. No início éramos só nós: artistas membros do grupo. Desta vez os intervenientes foram Paulo Moreira – arquitecto português que está a fazer o mestrado em arquitectura em Londres – e Pedro Alberto que está a fazer a licenciatura em sociologia em Maputo na Universidade Eduardo Mondlane. A conversa demorou horas.
Temos como ponto de partida para estes encontros a consciência de que existem diferentes formas de compreensão relativamente à arte africana e ao seu papel como reflexo da história dos povos colonizados e colonizadores. Da dualidade do Ocidente e da África. Da necessidade de darmos uma contribuição num mundo cada vez mais globalizado, onde se perdem os valores locais em detrimento dos valores globais.
A conversa com Paulo Moreira estava longe destes pontos de vista. Paulo Moreira, através de um projecto de pesquisa arquitectónico, faz uma ponte entre o presente e o passado. Veio a Moçambique para pesquisar sobre uma escola primária localizada na cidade de Xai-Xai na província de Gaza. Foi construída pelos seus avós nos anos 60 do século passado. Esta escola para além de ser o ponto de encontro das experiências dos seus avós em Moçambique é também um elo de ligação entre diferentes realidades geográficas. Permite obter respostas para problemas que se levantam a partir de experiências individuais e permite perceber as relações arquitectónicas de diferentes momentos e as suas possibilidades.
O trabalho do Pedro Alberto encontra-se num processo de construção. É um projecto que iniciou há três anos e que consiste na elaboração de postais feitos a partir de diversos materiais. Pedro Alberto elaborou e apresentou até ao momento mais de 300 postais. Nestas apresentações muitas interrogações ficaram sem resposta. Como apresentar o que faz? Que caminho seguir? Transformar estes postais em objectos efémeros? Torná-los documentos da sua experiência? Os postais referem-se a memórias da sua infância e a experiências da sua adolescência, trazem referências culturais, sociais e políticas; traduzem um compromisso político. Negoceiam as diferenças e cedem em momentos críticos.
Uma das qualidades do trabalho artístico é a possibilidade de ser/estar “em aberto”, poder ganhar vida própria. Isto é, permitir diferentes interpretações, ser entendido em diferentes contextos culturais, permitir desdobramentos de formas e conceitos, ser capaz de se alimentar por si e de alimentar outras formas plásticas.
As duas apresentações têm em comum o tempo e a memória. A experiência do outro e a nossa experiência. Tanto a de Paulo Moreira, que vai ao encontro do tempo e do espaço perdidos, revivendo momentos através da visita ao lugar deixado pelos seus avós, como a de Pedro Alberto, que através de colagens e assemblagem constrói universos, onde as suas referências, que vêm do contacto visual de uma sociedade pré-digital e do imaginário construído durante a sua infância e adolescência, possibilitam a construção de novos valores e a reconstituição de factos baseados em diferentes formas de construção da realidade.
Jorge Dias
Curador do Museu Nacional de Arte